Para compreender melhor a presença de Nossa Senhora do Carmo na história e tradição da Ordem, é importante conhecer a ligação de Maria com a origem da Ordem, em plena época feudal. A relação, em forma de pacto estabelecido entre Nossa Senhora e os eremitas latinos do Monte Carmelo, implica que eles e suas coisas pertencem a Maria; Ela, por sua vez, se compromete a proteger a Ordem e cada um de seus membros. Esse pacto é atualizado na profissão solene dos frades e monjas e na promessa definitiva dos leigos, quando se põe a promessa feita a Deus sob a proteção da Virgem Maria.
Desse modo, nós, carmelitas, pela profissão religiosa ou pela promessa definitiva, nos colocamos para sempre a serviço da Virgem Maria. Um serviço é oferecer-Lhe um culto digno e cheio de amor. Também o é a nossa oração de intercessão pela salvação das almas e a santidade dos filhos da Igreja, de modo particular pelo ministério ordenado, à qual unimos nossos sacrifícios e nosso apostolado, oferecendo tudo isso a Deus junto com o sacrifício eucarístico. Desse modo, ajudamos a Virgem Maria em sua missão de corredentora, para tornar mais fecunda a redenção de Cristo. Por sua vez, tornamos fecunda a promessa que, segundo a tradição, a Virgem Maria fez a São Simão Stock: aos que levarem o santo escapulário da Ordem com devoção e coerência de vida serão concedidas as graças necessárias para alcançar a salvação eterna.
A Virgem Maria na origem da Ordem do Carmo
As Sagradas Escrituras celebram a beleza do Carmelo, onde o profeta Elias defendeu a pureza da fé de Israel no Deus vivo. Nas imediações da fonte de Elias, no século XIII, estabeleceram-se alguns eremitas chamados “latinos”, por proceder do Ocidente. Entre os anos 1206-1214, estes pediram a Alberto, patriarca de Jerusalém, que lhes desse uma “fórmula de vida adequada a vosso projeto comum e à qual devereis ser fiéis no futuro” (nº 2).
Essa “fórmula de vida”, que mais tarde adquirirá o caráter jurídico de “regra”, prescreve em primeiro lugar “viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente, com coração puro e boa consciência” (nº 2).
Cristo dá sentido e plenitude a toda a vida do carmelita. No contexto da sociedade medieval, “viver em obséquio de Jesus Cristo” significava uma situação de vassalagem em relação ao seu Senhor. Jesus é o Senhor da Terra Santa, “feudo conquistado com seu sangue, território sobre o qual Ele exercia um poder indiscutível de ‘senhor’ soberano”. Os eremitas latinos do Monte Carmelo, porção do feudo de Cristo, propuseram-se uma finalidade cristológica ao viver in obsequio Iesu Christi, ao modo de vassalos diante de seu “patrão” e reconhecendo Jesus como o “Senhor do lugar”. Desse modo, os eremitas que se tinham colocado a serviço do Senhor Jesus consagravam-Lhe totalmente suas vidas. Ele era o centro de sua meditação, da liturgia, sua razão de ser e existir.
A Regra também prescreve: “O oratório, enquanto se possa fazê-lo comodamente, será construído no meio das celas e ali vos reunireis todos os dias pela manhã para ouvir a santa missa, onde se possa fazê-lo quando as circunstâncias o permitirem” (nº 12).
A escolha de um titular da Igreja implicava uma orientação espiritual, “já que na concepção feudal reinante à época, aquele que estava a serviço da Igreja estava a serviço do santo ao qual a igreja era dedicada. E entenda-se bem, em todo o seu valor, a palavra ‘serviço’ (em latim, servitium ou também obsequium): significava a traditio personae, isto é, pôr-se completamente à disposição, consagração pessoal ratificada com juramento, ainda mais quando isso era sancionado com a profissão religiosa”.
A Regra dava liberdade aos eremitas para escolher o titular do oratório que quisessem. No mesmo Monte Carmelo existia uma abadia chamada Santa Margarida. Esses eremitas poderiam ter escolhido qualquer santo, inclusive o profeta Elias, como titular de seu oratório. Mas decidiram que a capela seria presidida pela Virgem Maria. Essa decisão teve uma importância singular e decisiva para sua vida e o futuro da Ordem, que orientou a vida dos carmelitas, já que marcará o caráter mariano da Ordem a partir de suas origens.
Sabemos que essa capela tinha sido edificada há poucos anos. Assim no-lo atesta um itinerário de peregrinos intitulado La Citez de Jerusalem, composto entre os anos 1220-1229, que descreve nestes termos a montanha do Carmelo: “Na ladeira dessa mesma montanha há um lugar muito bonito e deleitoso, onde habitam uns eremitas latinos chamados frades do Carmelo, no qual há uma igreja dedicada a Nossa Senhora”. Dessa igrejinha dedicada à Virgem os religiosos tomaram o nome de “Irmãos da Bem-aventurada Virgem do Monte Carmelo”. Desse modo, a primeira igreja se converterá na igreja-mãe da futura Ordem do Carmo.
Como vimos, a dedicação da capela à Virgem Maria não foi uma prescrição legal, mas um fato de vida. O amor e a devoção que esses eremitas professavam à Virgem Maria os moveu a dedicar-lhe sua primeira igreja. Tal fato, na mentalidade feudal, significava que eram estabelecidos laços de vassalagem espiritual: eles e seus assuntos ficavam consagrados à Virgem Maria, Senhora do lugar e de seus moradores. Por sua vez, eles se consagravam à Virgem, punham-se ao seu total serviço e comprometiam-se a honrá-la, com a confiança de que Ela os protegeria como coisa sua e se preocuparia vivamente de seus interesses.
Desse modo, conscientes ou não disso, os eremitas latinos realizavam um sentido alegórico das Sagradas Escrituras – a passagem do profeta Isaías: “Foi-lhe dado o esplendor do Carmelo” (Is 35, 2), que a liturgia atribui à Mãe de Jesus. Os irmãos carmelitas tornariam possível que uma porção do território da Palestina, que pertencia inteiramente a Jesus Cristo por direito de herança e de conquista, fosse dado à sua Mãe, de modo que a Ordem do Carmelo e cada um de seus membros seria possessão pessoal tanto de Jesus, o Senhor, como de Maria, sua santa Mãe. Ambos – Jesus e Maria – protegeriam a Ordem do Carmelo e os carmelitas, e estes estariam para sempre ao seu serviço pessoal, ao ponto de converter-se no “santuário mais íntimo que a Igreja tem”, como Edith Stein definiria o Carmelo séculos mais tarde.
Cada carmelita que acolhe o chamado do Senhor e promete diante da Igreja ser fiel para sempre a esse chamado, promete-o a Deus e põe essa promessa sob a proteção e ajuda da Virgem Maria. Ao pôr-se sob a proteção da Virgem Maria (na profissão solene, no caso dos frades e monjas; ou da promessa definitiva, no caso dos leigos), realiza-se um pacto entre Maria e o carmelita. Ela se compromete de modo particular, com seu amor materno, a protegê-lo nos perigos, consolá-lo em suas angústias, ajudá-lo em sua luta contra o pecado, alcançar-lhe graças para que, pela virtude do Espírito Santo, conserve virginalmente a fé íntegra, a sólida esperança, a sincera caridade e, desse modo, una-se mais intimamente ao seu Filho, até que seja levado à felicidade da pátria do Céu.
Por sua parte, o carmelita – com a profissão solene ou a promessa definitiva – se compromete por toda a vida a amar com amor filial, honrar e servir Maria em tudo aquilo que for necessário; e, com Maria, viver em obséquio de Jesus Cristo. Isso fica refletido com maior clareza na fórmula de profissão religiosa que os carmelitas emitiam no século XIII: “Prometo obediência […] a Deus e à Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo”. Com essa fórmula, o carmelita quererá cumprir uma aliança não só com Deus, mas também com a Virgem, sua mãe; e, portanto, ao prometer, na própria consagração, colocar-se a seu serviço, está seguro de sua materna proteção.
Para as Ordens medievais, a dedicação mariana tinha também o valor de um compromisso na reformatio Ecclesiae, isto é, ser “pedra viva” no Corpo místico de Cristo, a Igreja. Ao emitir os votos religiosos ou a promessa definitiva a Deus e sob a proteção de Maria, o carmelita “tem a intenção de consagrar a ela a sua vida, sua pessoa, suas faculdades, seu tempo, comprometendo-se a um serviço diligente, apaixonado, destinado a durar até à morte. O escapulário, trazido dia e noite, é o sinal sensível e a recordação dessa consagração e de suas exigências práticas”.
María del Pilar de la Iglesia OCDS
Tradução: Frei José Gregório Lopes Cavalcante Júnior, OCD